Dez anos depois, A Cartilha está de volta.

11/12/2009

Alterações Consignadas no Acordo Ortográfico

1. Em primeiro lugar, uma alteração que pouco mais faz do que oficializar uma realidade já instituída pelo uso. O alfabeto da nossa língua passa a ter 26 letras, e não apenas 23, como até aqui sucedia. Incluem-se oficialmente o (capa), o (duplo vê, ou, mais correntemente, dâblio, num aportuguesamento do inglês double-u) e o (ípsilon, também chamado “i grego”). Trata-se de uma alteração que não suscita quaisquer atritos, posto que estas letras têm, desde há muito, entradas nos dicionários de língua geral e grafam-se, nomeadamente, em abreviaturas de carácter universal (kg, kw), em estrangeirismos aportuguesados (kiwi) e em derivados de estrangeirismos acolhidos na língua (wagneriano, byroniano).

2. Passemos à alteração mais significativa, aquela que, sem dúvida, tem dado azo a mais polémica entre os defensores e os detractores do Acordo. Trata-se da supressão das chamadas consoantes mudas e

(em palavras como acção ou optimismo), também designadas consoantes etimológicas, pois escrevemo-las no respeito pela grafia do étimo latino de que derivam. Saliente-se, desde já, que estas duas consoantes só deixarão de se escrever quando não são pronunciadas. Em palavras como facto ou opção, continuaremos a grafar estas duas letras. Vejamos alguns exemplos em que se opera a supressão, em contraponto com palavras em que a articulação e a grafia se mantêm:

a) cc - transacionar, lecionar. Mantém-se em friccionar, perfeccionismo, por se articular a consoante.
b) cç - ação, seleção, reação. Mantém-se em fricção, sucção.
c) ct - ato, atual, teto, projeto. Mantém-se em facto, bactéria, octogonal.
d) pc - percecionar, anticoncecional. Mantém-se em núpcias, opcional.
e) pç - adoção, conceção. Mantém-se em corrupção, opção.
f) pt - Egito, batismo. Mantém-se em inapto, eucalipto.

Outro argumento contra a supressão destas consoantes prende-se com a perda de abertura das vogais que antecedem a consoante muda. Com efeito, em redacção, selecção, baptismo, etc., essas vogais são abertas, funcionando a consoante muda como uma espécie de sinal de abertura da vogal anterior. Mas este argumento não colhe inteiramente: escrevemos consoantes mudas em que a abertura da vogal anterior já se perdeu (actriz, actual), do mesmo modo que não consta que os brasileiros tenham reduzido essa vogal em seleção ou em redação.

A dupla grafia já existente é também consignada pelo Acordo nos casos das vogais tónicas e antes de consoante nasal, a que, sendo abertas no Português europeu e fechadas no Português do Brasil, correspondem, respectivamente, o acento agudo e o acento circunflexo (que fecha as vogais sobre que recai): académico / acadêmico, ingénuo / ingênuo, sénior / sênior, cómico / cômico, vómito / vômito, etc.

3. Uma terceira alteração, que é significativa pelo que comporta de simbólico, prende-se com as novas regras a que obedece o uso das maiúsculas e minúsculas:

a) Os meses do ano e os pontos cardeais deverão ser escritos em minúsculas (janeiro, fevereiro, norte, sul, etc.).
b) Poder-se-á usar maiúsculas ou minúsculas em títulos de livros, sem que a primeira palavra deixe de ser sempre iniciada por maiúscula (A Insustentável Leveza do Ser ou A insustentável leveza do ser).
c) Também é permitida dupla grafia em expressões de tratamento (Exmo. Sr. ou exmo. sr.) em sítios públicos e edifícios (Praça da República ou praça da república) e em nomes de disciplinas ou campos do saber (História ou história, Português ou português).

4. No que respeita à acentuação gráfica, suprimem-se alguns acentos gráficos em palavras graves:

a) crêem, vêem, lêem passam a creem, veem e leem; pára, pêra, pêlo, pólo passam a para, pera, pelo e polo.

b) As palavras acentuadas nos ditongos oi e ei passam todas a ser escritas sem acento: estoico, asteroide, joia, heroico, introito.

No Português do Brasil, suprime-se o trema(¨) em aguentar (e não agüentar), frequente (e não freqüente), linguiça (e não lingüiça), e também o acento circunflexo em abençoo, voo, enjoo, etc., que nós já não grafávamos.

5. Finalmente, o sempre tão complexo hífen vai ser suprimido em:

a) Palavras formadas por recomposição (com os chamados pseudoprefixos de origem grega ou latina) cujo prefixo termina em vogal e a base começa em r ou s, dobrando essa consoante: ultrarrápido, autorrádio, contrarrelógio, cosseno, ultrassons, minissaia
b) Palavras cujo pseudoprefixo termina em vogal diferente da vogal inicial da base: extraescolar, autoestrada, antiaéreo, plurianual.
c) Formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo “haver” regidas pela preposição “de”: hei de, hás de, há de, hão de.

O hífen continua, no entanto, a empregar-se em:

a) Palavras cuja última vogal do pseudoprefixo coincide com a inicial da base, à excepção de co- (que se algutina à base iniciada por o): contra-almirante, micro-organismo, anti-israelita.

b) Palavras compostas por justaposição, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: águia-real, couve-flor, cobra-capelo, amor-perfeito, pôr-do-sol, pão-de-ló.

Arnaldo Marques, 2009-09-09
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