Dez anos depois, A Cartilha está de volta.

08/05/2009

Portugal, Racismo e Xenófobia

"Porém, a outra xenofobia, é assunto que nos toca de perto. Os portugueses não são nem jamais puderam compreender o racismo. Fomos, sempre, uma tão grande mescla de sangues e cargas hereditárias que tornaram o racismo uma coisa abstrusa. Temos no sangue resíduos de celtas, latinos, árabes, berberes, judeus, negros, chineses, japoneses, índios e australóides que nos impedem de proferir o palavrão horrendo do racismo. Portugal foi, sempre, xenófobo. Não gostamos dos estrangeiros, pronto, e só os queremos se gostarem da nossa cultura, da nossa língua, da nossa maneira de estar e viver; isto é, só os queremos se quiserem fazer parte de nós. Aliás, o que é a ideologia da expansão portuguesa senão esta afirmativa e obstinada vontade de universalizar a cultura portuguesa ?

Os ingleses, os alemães, os espanhóis e os holandeses - sim, aqueles que pela voz de Hugo Grócio consideravam os portugueses inferiores "pois até se misturam com os animais" - são racistas. Por seu turno, os portugueses não são racistas, mas são absolutamente xenófobos. Entre nós não se vislumbra o menor vestígio de curiosidade intelectual face ao estranho. O português só fala de coisas portuguesas, só lê, investiga e produz obra que tenha a ver com Portugal e aqueles que parecem xenómanos fazem-no, estimo, só por afectação. Por isso, nunca desenvolvemos escolas de linguística, nunca tivemos orientalismo profundo, nem arquelogia virada para o mundo, nem teoria sobre as artes, nem Filosofia. Somos como os Judeus. Temos a ideia de uma vaga fraternidade universal, abraçando todos os homens e todos os continentes, uma derradeira esperança de paz e concórdia entre os homens. Essa ideia dá pelo nome de Portugal ou, agora, de lusofonia. É por isso que nunca seremos tribalistas, racistas, europeus. Somos ocidentais porque o nó dessa civilização - o cristianismo - cedo foi utilizado pelos portuguses como característica indissociável do ser e destinação de Portugal. Sempre quisemos dar exemplos ao mundo. Que maior prova de xenofobia senão essa? Só não o vê quem não quer: os racistas xenómanos e os escravos da estupidez inteligente."



Miguel Castelo-Branco, no Combustões

Sem comentários: