"Digamos que os EUA têm uma necessidade de financiamento de 30 por cento do PIB este ano. Que seriam 3,9 milhões de milhões, ou, arredondando, quatro milhões de milhões. Quem é que vai comprar títulos americanos nesse valor? A China, que tem grandes reservas?
E como iriam os EUA gerar capacidade de pagar?
Mas nem a China tem essa quantia, e está a tentar diversificar aquilo que tem. Estão a vender os títulos do Tesouro [dos EUA] e a comprar outros valores internacionais. Investem em mercadorias, agrícolas e outras, e outros países estão a fazer o mesmo. É improvável que os EUA consigam colocar um valor tão alto de títulos do Tesouro nos mercados internacionais. Por isso, vão ter que emitir moeda. Mas, com uma quantia tão elevada, vamos ter uma depreciação da moeda americana e uma pressão inflacionista muito grande.
O PIB mundial são 50 milhões de milhões de dólares. O valor dos derivados está entre 600 milhões de milhões e 700 milhões de milhões. O PIB americano é de 13 milhões de milhões. Então, a vasta maioria desses valores não tem correspondência real. São valores inflacionados. Estourando a bolha, teremos uma queda de 600 milhões de milhões para 50 milhões de milhões, ou seja, uma perda de 550 milhões de milhões, que é uma perda brutal. E esses recursos, os derivados, criaram uma prosperidade artificial.
Acho mais importante sustentar a credibilidade da moeda do que ter estas gestões de apoio ao sistema financeiro, para, digamos assim, assegurar a capilaridade do sistema.
Se chegarmos à posição extremada de um grande risco de aviltamento, ou o aviltamento absoluto ou substancial da moeda americana, vamos ter uma grande queda da actividade económica e financeira mundial. Porque teremos perdas gravíssimas. Teremos países com as suas reservas, em dólares, a desaparecerem, sem condições de sustentarem o seu comércio internacional devido ao desaparecimento das suas reservas, perdendo a estabilidade internacional. Teremos um aumento do proteccionismo e um renascimento do mercantilismo.
Parece que o Governo americano, para salvar os seus principais agentes económicos e a sua política histórica, está prestes a sacrificar o dólar americano. Isso terá consequências muito graves para a humanidade como um todo.
Porque se, por um lado, vai permitir aos EUA desembaraçarem-se da sua dívida externa (pelo aviltamento da sua moeda, eles devem nela), por outro lado, vai causar dificuldades para o financiamento da sua economia e vai induzir uma grande depressão mundial.
Os banqueiros de investimento inventavam produtos dissociados da realidade, que são na realidade fraudulentos. Tínhamos agências de avaliação de risco que emitiam um critério de juízo sobre esses produtos e essas organizações. Tínhamos auditores que verificavam esses produtos, os bancos que os emitiam e as empresas que os compravam. E tínhamos advogados que documentavam toda essa grande construção irreal.
Sem o dólar, o império americano deixará de existir e até mesmo a existência una da federação poderá estar em causa.
A gestão da crise é preocupante, porque a impressão que tenho é que ela está a ser orientada pelos mesmos vícios que estiveram na sua origem. Isto é, a defesa a qualquer custo do sector privado, ainda que à custa dos recursos públicos. A meu ver, o Estado não pode pretender sustentar a falência do sector privado na magnitude em que ela ocorreu. Não tem condições para o fazer.
Mas as manifestações que tivemos são de que os EUA estão a garantir os défices do sector privado. Isso é impossível de fazer. O dinheiro aí colocado até agora, em grande será perdido ou provavelmente já está perdido. E não haverá condições para retomar a economia.
A gestão tem sido feita em primeiro lugar unilateralmente, visando os interesses domésticos e orientada pelos “lobbies” privados domésticos dos sectores que estão falidos.
O Estado deveria utilizar os recursos para entrar nos sectores em que deve entrar e gerir o sector ou o segmento do sector em nome público.
O primeiro cenário é de readequação do sector financeiro à economia real. Isso vai representar não só a falência de grandes partes do sector financeiro privado, mas uma queda generalizada do padrão de vida das pessoas, e da receita tributária dos Estados. Então, teremos um retrocesso, até porque a alegada prosperidade dos últimos anos, principalmente destas duas últimas décadas, é artificial. E sem essa riqueza, teremos de regredir a um patamar realista, e isso vai causar uma frustração de expectativas do povo de um modo geral, com repercussões políticas graves. Vai causar uma repercussão negativa nos homens públicos, nos investimentos públicos, nos formuladores de política externa. Se o orçamento não permite… É como numa família. Esta readequação económica é inexorável.
Mas o que observamos hoje é uma má gestão. Não há uma saída ideal para um problema desta magnitude. Mas a saída para uma boa gestão implicaria repensar toda uma filosofia de vida, todo um regime político."
Excertos de uma entrevista de Durval de Noronha Goyos ao Público
03/04/2009
Crise Monetária - a Próxima Crise? IV - O Final do Dólar e o Carrasco Obama
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