Dez anos depois, A Cartilha está de volta.

18/09/2008

O Militar mais Condecorado de Toda a História das Forças Armadas Portuguesas

Tenente-Coronel Marcelino da Mata.

«Comecei a perceber o que estava em causa quando a guerra começou: eu tinha de lutar de um lado; e esse lado era – e é – Portugal.»

Nasceu em Portugal, na antiga província da Guiné-Bissau em 1940. Começou o serviço militar (obrigatório à época) como condutor-auto, mas acabou por se dar como voluntário para os Comandos, onde fez história - e se tornou parte da História de Portugal.

«O comandante [tenente-coronel Agostinho Freire] chamou-me e contou-me que a companhia do capitão Caraça [CCac1547 “Os Santos” sediada em Bijene, a 6km da fronteira], que estava a fazer operações de patrulha na zona da fronteira, fora toda apanhada à mão pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! – e que eu tinha de ir lá busca-los. Na vila para onde os levaram, além do PAIGC havia 1 batalhão de pára-quedistas senegaleses. Fomos 19 homens, todos muito armados, menos eu que ia vestido com uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Entrei na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos homens todos sentados na parada, só em cuecas; nem as meias lhes tinham deixado. O 1o que me reconheceu passou a palavra ao capitão e depois passaram todos uns aos outros. Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. Mas custou-me chegar à fronteira porque os brancos não estão habituados a andar descalços. A tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam 9 do meu grupo à frente a escoltar os nossos e 10 atrás a aguentar o tiro do inimigo – foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 [!?] km. Pusemos os nossos na fronteira e ainda voltámos para trás para repelir o PAIGC. Nesta operação ganhei a Torre e Espada.»

Ganhou mais condecorações que qualquer outro militar. Importante na viragem do conflito, as suas missões iam aonde os outros não iam, e tinham os resultados que os outros não conseguiam. Pela sua bravura, inteligência e eficácia, tornou-se um exemplo para os mais novos, e o alvo do maior respeito das grandes esferas militares e políticas. Nasceu uma Lenda.

«Habitualmente o PAIGC vinha do Senegal ou da Guiné-Conacri, fazia um ataque e voltava para lá. E depois nós íamos lá, atacávamos e queimávamos tudo.»
Grupo de Comandos "Os Vingadores", liderado por Marcelino da Mata

«Quando se deu o 25 de Abril, a situação na Guiné estava controlada por nós: eu dava a volta toda à Guiné; só faltava destruir a base do PAIGC de Kadiaf [Candjafra], porque a de Foulamorie já o tinha sido. E no dia 25 de Abril de 1974 eu estava nessa base, que se situava em território da Guiné-Conackry. (...)pensei que era quando aquilo estava quase ganho que iam suspender a guerra»

Porém os homens de Abril trataram-no como que se um traidor fosse. Torturaram, espancaram e prenderam sem acusação Marcelino da Mata, que de futuro foi afastado da vida militar activa. Para a esquerda os heróis eram outros - Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Tomé, Pezarat Correia, Quinhones de Magalhães, Rosa Coutinho, etc -, os que galgaram de 4 em 4 os postos hierárquicos e que a história dos traidores de Abril pintou como heróis. Mas mais sorte que os seus companheiros de armas guineenses teve Marcelino da Mata, ainda sobrevive ao contrário daqueles que foram torturados e fuzilados pelo PAIGC com a conivência da esquerda Portuguesa.

«Apareceu depois das 24:00 um indivíduo alto, forte e de cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo-comandante do RALIS – mas que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por Ribeiro –, me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o ELP. Entrou então o capitão Quinhones de Magalhães, disse-me que me ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos “turras” quando não queriam falar, e puxou do seu cinturão no que foi secundado pelo furriel Duarte. Saiu o capitão Quinhones e regressou acompanhado de outro indivíduo baixo e forte (que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por Jorge), e mais outro furriel, aos quais o capitão Quinhones ordenou que me fossem batendo à bruta até que eu confessasse. Apareceu então o [comandante do RALIS] tenente-coronel Leal de Almeida que [apesar de muito bem conhecer da Guiné o deponente] me disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados, e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso. Ordenou o capitão Quinhones que me encostassem à parede e despisse a camisa, o que tive de fazer. Após isto, fui agredido sete vezes com uma cadeira de ferro nas costas, o que me provocou vários ferimentos. Não resistindo caí, mas o capitão Quinhones disse que me pusesse de joelhos e um outro indivíduo que entrou intitulando-se oficial de marinha, agrediu-me mais duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão Quinhones e o furriel Duarte, um de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo e eu, que já sentia dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão. O capitão Quinhones ria-se e dizia que o tenente-coronel Leal de Almeida queria que eu falasse nem que eu ficasse todo partido e que ele ia mesmo fazer-me falar. Passados uns momentos, quando me encontrava novamente sentado e como fizesse intenção de reagir às agressões, algemaram-me e perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro. Como eu dissesse que conhecia alguns deles [da Guiné] e outros não, foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram: um Coelho da Silva, um dr. Maurício, que não conhecia; e o João Vaz Alvarenga, Augusto Fernandes (Baticã) e o Artur, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné. Então o capitão Quinhones ordenou ao tal [militante do MRPP] Jorge que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto desmaiei, pois não aguentei. Quando recuperei tornaram, o capitão Quinhones e o furriel Duarte, a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo eu nessa altura que devia estar con fractura da coluna e costelas e tinha vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e desmaiei. Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar além de fortes dores por todo o corpo. Por voltas das 6 horas do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros [5] indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o Fernando Figueiredo Rosa também [do extinto BCmdsAfric] da Guiné, ao qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia ser mulher do Coelho da Silva, à qual o furriel [Duarte] apalpou as nádegas e os seios e outras partes do corpo, frente ao marido. Fui algemado logo a seguir à entrada da senhora e conduzido à prisão [do quartel], onde um furriel encheu com água, até ao nível dos tornozelos, a cela. Por volta das 23:00 fui retirado da prisão e vi o tenente fuzileiro Côrte-Real e o ex-tenente fuzileiro [sub-tenente FZE José Carlos Freire] Falcão Lucas² cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também tinham dado um “bom tratamento” mas não tanto como o meu. Fui metido a seguir numa Chaimite e levado para Caxias onde cheguei já pelas 01:00 ou 02:00 do dia 19Mai75. Chegado a Caxias o capitão-tenente [FZE João Eduardo da Costa] Xavier³, e o qual conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e obscenos e mandou-ne levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido clinicamente. Só no dia 21Mai75 e depois de muito insistir com pedidos ao oficial-de-serviço, aspirante de Marinha Fernandes, fui levado à enfermaria [da Prisão-Hospital São João de Deus] de Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aquelas de que me queixava. Permaneci 150 dias [os primeiros 90 incomunicável] em Caxias e só quando fui libertado [em 15Out75] e colocado com residência fixa, consegui ser tratado convenientemente e soube ter tido fractura de duas costelas e da coluna.»

Ver:
- relatos do Tenente Coronel Marcelino da Mata
- Acerca dos massacres do PAIGC 1
- Acerca dos massacres do PAIGC 2

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