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26/10/2025

(JE) Metalomecânica : Campeão nacional ameaçado de estrangulamento

União Europeia - não Trump - entala a industria portugueza. Mais uma vez:

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(JE) Metalomecânica : Campeão nacional ameaçado de estrangulamento

O setor responsável por mais de 30% das exportações portuguesas está a ser ameaçado pela política protecionista decidida pela Comissão Europeia. Mais taxas e concorrência desleal vão ter um “impacto fortíssimo”, avisam os industriais, que pressionam o Governo.
A metalomecânica, que tem sido o motor do crescimento das exportações portuguesas, que é responsável por mais de 30% dos bens vendidos ao exterior, está a ser ameaçada de estrangulamento pela política definida pela Comissão Europeia para proteger o setor do aço.

Parece um paradoxo, mas explica-se: a União Europeia (UE) estava preocupada com a ascensão fulgurante dos produtores asiáticos, particularmente da Índia e China, do setor da siderurgia e do domínio que passaram a ter sobre o mercado global. Assim, decidiu em 2018 e criou em 2019 um sistema de quotas anuais para a importação de aço de países terceiros, impondo taxas de 25% às quantidades que ultrapassassem os limites definidos.

Depois, com a pandemia de covid-19, a UE definiu um conjunto de matérias-primas que considera críticas para a sua autonomia. O aço foi uma delas.

“Eu diria que a Europa estagnou do ponto de vista da produção de aço. E certamente ficou para trás do ponto de vista tecnológico”, diz o presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Vítor Neves, ao Jornal Económico (JE).

Na UE, a produção siderúrgica concentra-se na Alemanha, em Espanha, na Holanda e em França. Na Europa, acrescenta-se o Reino Unido. Mas 80% da produção é dominada por capital asiático.

Esta foi primeira ação da Comissão Europeia no sentido de proteger a indústria europeia da produção de aço, mas vai escalar, no quadro da guerra comercial iniciada pelo presidente norte-americano, Donald Trump, e da crispação com as políticas comerciais chinesas. A justificação é que os produtores chineses fazem dumping, vendem abaixo do custo.

A medida de salvaguarda existente acaba em junho de 2026, mas a ideia é que seja substituída por uma medida permanente que pode entrar em vigor a partir de janeiro, substituindo de imediato a medida de salvaguarda. Com isto, as taxas duplicam, para 50%, e as quotas deixem de ser por país e passam a ser agregadas, tudo o que vem de fora da UE.

“Acresce a isto que existem processos de antidumping a correr”, aponta Paulo Sousa, CEO da Colep Packaging. “Um que já foi concluído, nomeadamente com a China, impõe taxas em alguns materiais, por exemplo, na folha de flandres, material que utilizamos para a indústria de embalagens. Aplicam-se taxas que vão desde os 14% aos 60%”, explica. São taxas que acrescem às outras, reforça António Pedro Antunes, CEO da Metalogalva.

Já se preveem aumentos de 25% nos preços por tonelada de aço na Europa no próximo ano.

Competitividade em risco
Quem paga isto é o consumidor final europeu, que terá produtos mais caros, mas o efeito é mais perverso, porque põe em causa a indústria metalomecânica.

“Os produtores europeus, os transformadores europeus perdem competitividade face a outras geografias dos produtos terminados, mas, ao aplicar taxas apenas sobre a matéria-prima a Comissão Europeia está a permitir que produtos semiacabados ou acabados possam ser importados do desses países terceiros sem taxas”, alerta Vítor Neves.

Isto quer dizer que fica mais caro importar aço para fazer latas para concentrado de tomate, por causa das taxas, mas isso já não acontece se importarmos concentrado de tomate já enlatado, e que as latas têm um peso relevante no custo do final do produto, mas a que não são aplicadas taxas, porque se trata de um produto transformado. Este exemplo é real e está a ser estudada uma queixa em Itália por causa disto. Agora, aplique-se a muitos outros produtos, embalagens, latas de aerossol, tubos de aço, estruturas.

“Cria-se aqui uma total concorrência desleal entre aquilo que são os transformadores europeus e os seus concorrentes”, afirma Neves.

As taxas norte-americanas sobre o aço são mais abrangentes, incluindo também os produtos transformados, o que aqui não se verifica.

“A indústria transformadora metalomecânica europeia vai perder competitividade, a prazo, vai perder importância, vai perder volume. E mesmo aquilo que se quer hoje proteger, a indústria do aço, também vai perder, porque vai deixar de ter clientes”, sublinha o presidente da AIMMAP.

“Menor competitividade, mais dificuldade em exportar e concorrência desleal vinda de fora, de entidades que importem já produtos semiacabados ou produtos acabados. Naturalmente que isto terá um impacto fortíssimo na indústria metalomecânica portuguesa”, avisa.

Governo preocupado
A decisão europeia é discutível, quando sabemos que a siderurgia europeia representa cerca de 200 mil milhões de euros de faturação, enquanto a metalomecânica representa quatro biliões de euros, 20 vezes mais.

No emprego, que as políticas protecionistas pretendem salvaguardar, são 300 mil trabalhadores na siderurgia, que comparam 13 milhões na metalomecânica.

Tendo em conta os efeitos perniciosos para a metalomecânica portuguesa, Vítor Neves diz não compreender a posição assumida pelos anteriores governos. “Para nós foi sempre uma surpresa. Como é que os sucessivos governos portugueses votaram desde 2018 a favor da implementação das cláusulas de salvaguarda”, questiona, apontando que o parecer que o setor deu às propostas da Comissão Europeia foi sempre negativo.

Neves diz que a AIMMAP tem feito o seu trabalho, falando com congéneres de outros países para perceber as posições, tendo em conta o agravamento do quadro. Na generalidade, estão alinhadas contra a atual situação e o que aí vem, com exceções, poucas, como a Alemanha, em que a poderosa indústria automóvel, que depende do preço do aço para ser competitiva, aposta que possa ser aprovada uma exceção que a isente do pagamento das taxas e do cumprimento dos limites.

O Governo está a acompanhar o processo. A AIMMAP tem mantido contacto com o secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, que “está bastante preocupado com a situação”, dizem os industriais.

“Esperamos que haja uma pressão forte do Governo e em Bruxelas por causa disto”, diz Vítor Neves. “Esperamos que, de facto, o Governo português e defenda o setor mais importante da economia portuguesa”, conclui.

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