Urgências fechadas, bebés a nascer em ambulâncias e elevados tempos de espera. Não faltam críticas ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas a esmagadora maioria dos portugueses crê que para que os cuidados de saúde da população melhorem, é necessário investir mais no setor público em vez de apostar em parceiros privados.

De acordo com as respostas dadas no inquérito feito em parceria com a Netsonda, sobre Saúde, a população não é necessariamente muito afetada por doença crónica — apesar de Portugal ser um país envelhecido —, mas a saúde mental tem subido rapidamente ao topo da lista de prioridades dos portugueses. Os homens, no entanto, continuam a negligenciar mais o lado psicológico do que as mulheres.

Estes e outros dados surgem no inquérito feito em parceria com a Netsonda, sobre Saúde, para o nono e último artigo desta iniciativa. Cruzando informação recolhida em seis regiões do território continental (Grande Lisboa, Grande Porto, Litoral Centro, Litoral Norte, Interior Norte e Sul), e analisando as respostas dadas pelas diferentes gerações, estes são os principais resultados.

Metade da população recorre principalmente ao SNS. Um quarto prefere o privado primeiro

Todos os cidadãos portugueses têm acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Ainda assim, em caso de necessidade de recurso a um médico a hospital, 24% dos inquiridos recorre principalmente ao setor privado. A percentagem de pessoas que ir em primeiro lugar aos serviços do setor público continua a ser superior, com 52% da população a preferir o SNS, mas a verdade é que a população tem vindo a procurar alternativas de resposta à medida que os problemas nestes serviços se agravam.

“Ainda que todos tenhamos acesso ao SNS, o que se tem verificado é que a demora do agendamento nas primeiras consultas de especialidade, a demora do agendamento depois na marcação das consultas subsequentes, a demora no agendamento de cirurgias, que não sendo completamente prioritárias, são extremamente necessárias, toda esta demora tem levado a que as pessoas tenham de procurar, pelos seus próprios recursos ou através de seguros privados de saúde, dar resposta aos seus problemas de saúde do dia a dia”, explica a professora de Sociologia da Saúde no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) Rita Mendes.

79% dos inquiridos admite possuir algum tipo de seguro, plano ou subsistema de saúde para estes efeitos. Um seguro que forneça um montante para cobrir os custos de internamentos, consultas ou cirurgias é a modalidade mais comum (47%), seguido pelos subsistemas como ADSE ou SAMS, que beneficiam pessoas em determinados setores de atividade, como os funcionários públicos ou os bancários, por exemplo, que podem usufruir destes planos. 20% opta por planos específicos (20%), que ajudam a pagar as consultas em determinadas clínicas, mas não são utilizados em casos de internamentos e cirurgias. 21% dos inquiridos não têm qualquer uma destas opções, e alguns utilizam mais do que uma opção.

Independentemente do plano escolhido, Rita Mendes reforça que os dados mostram que tanto os seguros como os subsistemas “estão a ser cada vez mais acionados”, precisamente porque “as pessoas têm que dar resposta aos problemas de saúde que têm no seu quotidiano” e, neste momento, acreditam que o Serviço Nacional de Saúde não tem capacidade.

De acordo com a socióloga contactada pelo Observador, o SNS é especialmente procurado quando se trata de “um problema muito grave”, dando o exemplo de casos de enfarte ou AVC. Perante episódios “não necessariamente graves, mas que retiram qualidade de vida e têm que ser resolvidos”, segundo Rita Mendes, quando existe essa possibilidade, as pessoas optam pelo setor privado “porque conseguem um agendamento mais adequado”. “Não ficam três anos à espera de uma consulta ou quatro por causa de uma cirurgia”, acrescenta, explicando assim também a resposta de 25% dos inquiridos, que admitem usar ambos os serviços “de forma equilibrada”.

Outro fator que contribui para que um quarto da população tenha de recorrer a ambos os setores está associado a um “deficit” da rede prestadora do SNS. A professora do ISCSP menciona as áreas da saúde mental e oral que, na sua generalidade, não têm uma cobertura alargada no setor público em todo o território nacional, obrigando assim uma grande parte da população a ter de recorrer ao privado para resolver questões associadas a estas duas áreas da medicina.

Além de a distribuição de utilizadores do SNS e do setor privado poder ser feita através dos escalões de rendimento em que se inserem — com aqueles que recebem acima de 3.000 euros todos os meses a procurarem mais o privado (37%), ao contrário daqueles que têm um rendimento mensal inferior a 1.000€ (8%) — a localização também é um fator determinante. O recurso ao setor privado é significativamente mais frequente entre os residentes na Grande Lisboa (36%) e no Grande Porto (27%), comparativamente ao Interior Norte (11%).

Quando precisa de se deslocar a um hospital, recorre mais ao SNS ou ao setor privado?

Principalmente ao SNS

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Principalmente ao privado

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Uso ambos de forma equilibrada

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Fonte: Netsonda

“No interior, por falta de cobertura, há uma rede menos articulada, menos musculada e também com menos profissionais”, justifica Rita Mendes. “E nas grandes cidades, o que acontece é que a rede [pública] existente foi pensada há uma série de anos e não foi revista em função da densidade populacional que existe atualmente”, continua a especialista, referindo que este grande volume de utilizadores dos serviços médicos potenciou a criação de uma ampla rede de clínicas e hospitais privados para servir esta necessidade no mercado.

Independentemente de usufruírem ou não dos serviços providenciados pelo Estado, a grande maioria da população (83%) defende que se deve investir mais no Serviço Nacional de Saúde, enquanto 13% acredita que os recursos devem ser mobilizados para reforçar a colaboração com parceiros privados.

26% dos inquiridos tem alguma doença crónica. Doenças cardiovasculares são as que afetam mais famílias em Portugal

O avanço da era tecnológica e a evolução da qualidade dos serviços médicos está a fazer com que as pessoas vivam cada vez mais anos. No entanto, apesar de se conseguir prolongar a qualidade de vida dos cidadãos, existem outros problemas associados a este aumento da esperança média de vida. “Com o aumento do tempo de vida, é inevitável que apareçam cada vez mais doenças crónicas”, admite a socióloga Rita Mendes.

Quando começaram as diferentes gerações?

 Mostrar

“Não são extremamente graves, não são extremamente complexas, são pequenas doenças que vão exatamente necessitando cada vez mais de cuidados de saúde e afetando cada vez mais a qualidade de vida das pessoas”, continua a especialista, referindo que afetam principalmente as populações mais velhas. De acordo com o estudo realizado pela Netsonda, apesar de Portugal ser visto como um país envelhecido, apenas 26% da população revela ter alguma doença crónica — com esta amostra a ser representada por 43% dos Baby Boomers e 32% da Geração X.

Com o avançar da idade — principalmente naqueles acima dos 70 anos, mas não abrangidos pelo estudo — “as pessoas estão cada vez mais doentes e acumulam cada vez mais doenças crónicas”, o que, de acordo com Rita Mendes, “vem criar uma pressão ainda maior, sobretudo nos cuidados de saúde primários, que era onde estas doenças deveriam ser acompanhadas”.

Entre a minoria dos inquiridos que possuem alguma doença crónica, os problemas respiratórios e as doenças metabólicas e endócrinas (como a diabetes) são os mais comuns, com cada um destes exemplos a afetar 20% dos inquiridos. Na Geração X, aqueles entre os 45 e os 60 anos, também pesa a doença reumática e cardiovascular, ambas representando 14% dos casos entre os inquiridos. Na generalidade dos casos, a doença mental (11%) e oncológica (8%) também atingem estas pessoas.

Não têm a maior representatividade na questão das doenças crónicas, mas os problemas cardiovasculares são os que afetam o maior número de famílias em Portugal. 26% dos inquiridos diz que estas doenças predominam no seu seio familiar. “As doenças cardiovasculares e as oncológicas são, atualmente, as principais causadoras da mortalidade nacional. Isto é uma tendência em vários países”, destaca Rita Mendes, apontando para os “estilos de vida mais modernos” como principal causa de incidência destas condições.

“Sedentarismo, consumos de álcool, tabaco, falta de exercício físico”, enumera a professora do ISCSP, que sublinha o “papel essencial” dos cuidados primários, não só em termos de rastreios, como também em termos de acompanhamento da situação individual de cada utente, “quando estabilizada pelos especialistas na rede hospitalar”. Destaca-se que as doenças cardiovasculares são significativamente mais prevalentes entre os homens do que entre as mulheres (17% vs. 5%).

Ainda no contexto familiar, também foram mencionadas as doenças metabólicas e endócrinas (22%), as reumáticas e musculoesqueléticas (21%) e as respiratórias (19%). Por outro lado, 27% afirmam não ter historial de doenças na família.

Neste sentido, as doenças físicas são responsáveis por que 47% da população tenha já recorrido a uma baixa médica. Os mais afetados são aqueles que têm mais de 45 anos, com mais de metade tanto da Geração X como dos Baby Boomers a revelar já ter estado de baixa por este motivo, quando um total de 40% dos inquiridos, onde estão representados maioritariamente os mais jovens (67%), admite nunca a ter solicitado. Motivos familiares são a segunda justificação mais comum (8%) para pedir baixa, seguidos de motivos de saúde mental (5%).

Jovens são os mais acompanhados por psicólogos ou psiquiatras

O tema está cada vez mais presente na agenda mediática e a maioria admite prestar cada vez mais atenção a esta vertente psicológica. 36% das pessoas que responderam ao estudo afirmam ser ou ter sido acompanhadas a nível psicológico ou psiquiátrico — com 12% a fazê-lo atualmente, e os restantes fizeram-no no passado. Ainda 22% admitem que, apesar de nunca terem recorrido a este tipo de terapias, consideram vir a procurar esta opção no futuro.

“As doenças podem ser visíveis ou não visíveis, podem ser diagnosticadas com meios complementares, ou com um raio-x. A parte da saúde mental não é nada disso”, refere Rita Mendes. No entanto, apesar de serem tratadas de formas diferentes, a especialista ouvida pelo Observador destaca que “tem-se vindo desconstruir esta questão da saúde mental” e, assim, valorizando cada vez mais o problema que passa por todas as gerações. “Isto é o reflexo de um aumento da literacia em saúde e da necessidade de perceber que se um diabético tem de ser tratado, uma pessoa que apresenta um comportamento depressivo também tem de ser tratada”, acrescenta.

46% da Geração Z faz ou já fez acompanhamento psicológico. Em comparação, diminui progressivamente à medida que aumentam as idades, acabando com 25% dos Baby Boomers. Mas são essencialmente os jovens que recorrem a estes serviços em Portugal. Para a socióloga, isto deve-se não só à maior atenção e reconhecimento que se dá à saúde mental, mas também à exposição de diversos fatores como as redes sociais e a internet, que se alinham com o “boom” da procura por este tipo de terapias.

Além de ser possível notar uma diferença entre gerações na atenção dada à saúde mental, é possível verificar que também existe uma grande disparidade entre géneros. Se 42% da população afirma nunca ter feito acompanhamento psicológico ou psiquiátrico nem tencionar fazê-lo, esta posição é ainda mais frequente entre os homens (56%) do que entre as mulheres (30%).

Faz ou fez terapia de psicologia ou psiquiatria?

Género

Sim, atualmente
9%
Sim, atualmente
14%
Sim, no passado
18%
Sim, no passado
31%
Não, mas considero fazer
18%
Não, mas considero fazer
25%
Não fiz nem pretendo
56%
Não fiz nem pretendo
30%
Fonte: Netsonda

“Isto não quer dizer que os homens não tenham problemas de saúde mental, mas pode haver uma maior inibição”, admite a especialista, remetendo para possíveis “estigmas” existentes na sociedade portuguesa que, além de justificarem o porquê de haver menos homens a recorrer a estes serviços, explicam que haja “uma maior pressão perante as mulheres”. “Não só por terem que equilibrar melhor o trabalho com a família, a maior pressão para cuidar dos filhos, a questão de haver uma assimetria de salários. Tudo isso pode levar a que as mulheres sejam mais pressionadas”, descreve Rita Mendes, referindo que “há sempre uma maior tensão que efetivamente se reflita em algum momento da vida, num problema de pressão ou de ansiedade que leva as mulheres a procurar mais os serviços de saúde mental”.

14% da população que respondeu ao estudo admitiu estar, atualmente e de forma regular, a tomar medicação para a saúde mental. O número sobe para 35% quando se contabiliza quem os toma ocasionalmente e quem apesar de não o fazer neste momento, já tomou no passado. Para Rita Mendes, estes valores são “preocupantes”.

“Em Portugal, temos vindo a assistir a um aumento do consumo de medicação associada à saúde mental. E são dados realmente preocupantes porque tem vindo a subir o consumo. Mas, sobretudo, está a verificar-se também um aumento do consumo sem controlo médico”, sublinha a professora de Sociologia da Saúde no ISCSP. 43% das mulheres já tomaram medicação para este efeito comparados com 25% dos homens. Como destaca Rita Mendes, estes medicamentos só podem ser vendidos mediante receita médica. Porém,” infelizmente, o que está a verificar, é que há brechas no acesso a este tipo de medicação”.

Restrições alimentares (opcionais) e a prática regular de atividades desportivas

Para a manutenção de um bom estado de saúde — tanto física como mental — os médicos e especialistas recomendam sempre juntar a uma alimentação equilibrada, a prática de exercício físico regular. Relativamente à segunda parte da receita, a prática de desporto — seja num ginásio, ao ar livre ou em casa — é realizada com alguma regularidade pela maioria da população que respondeu ao estudo da Netsonda.

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De uma forma geral, 16% dos inquiridos praticam algum tipo de atividade física diariamente ou quase todos os dias e 36% entre duas a três vezes por semana. Com esta elevada regularidade inserem-se mais de metade dos jovens da Geração Z (57%) e Millennials (55%), enquanto a população mais velha — os Baby Boomers — se divide mais entre os que praticam exercício desta forma regular (41%), e os que nunca ou quase nunca praticam desporto (39%).

Relativamente à alimentação, a adesão a dietas com restrições é relativamente baixa. Na sua maioria — dentro daqueles que praticam uma dieta específica — 26% diz ter uma alimentação exclusivamente omnívora, ou seja, comem alimento seja de origem animal ou vegetal. 14% vive como vegetariano, mas cerca de 9% admite consumir ocasionalmente carne ou peixe. Os veganos (1%) e os flexitarianos (4%) — principalmente vegetarianos, mas que consomem pontualmente produtos de origem animal — não estão tão representados nesta população.

Apesar de não estar discriminado se é por motivos medicamente diagnosticados ou se por preferência dietária, 15% dos inquiridos refere ter algum tipo de restrição alimentar. Destes, 41% apontam para a lactose como principal substância cortada do quotidiano, seguida do açúcar (30%), das carnes vermelhas (21%) e do glúten (20%). “Tem havido uma tendência cada vez maior de preocupação com a questão da lactose ou do glúten, que muitas vezes não tem a ver com uma intolerância total”, admite a socióloga Rita Mendes, referindo que existe esta pequena percentagem de pessoas que opta por restringir a sua dieta, sem qualquer diagnóstico de dificuldade metabólica em digerir determinadas substâncias.

Este inquérito foi realizado pela Netsonda em colaboração com o Observador, entre os dias 11 e 17 de setembro de 2025. O estudo foi realizado através da aplicação de um questionário online junto do painel Netsonda. O universo-alvo é composto por uma amostra representativa de indivíduos com 18 a 64 anos residentes em Portugal continental. Os inquiridos foram informados do objetivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram recolhidas 800 entrevistas online (CAWI). Esta dimensão amostral está associada a uma margem de erro de 3,46%, com um nível de confiança de 95%.